
Os
ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiram nesta
quinta-feira (12) por maioria absoluta, 8 votos a 2, que o aborto de
fetos anencéfalos (com má-formação no cérebro) não pode ser considerado
crime. A decisão saiu depois de dois dias de julgamento, já que o
processo começou a ser analisado na última quarta (11).
Os dois
únicos ministros que votaram contra a liberdade de escolha da mulher
neste tipo de gestação foram os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar
Peluso, que apesar de representar a minoria, disse que este foi o
julgamento mais importante do STF.
— Quero me associar de maneira
efusiva ao ministro Celso de Mello de que este é o mais importante
julgamento na história desta Corte.
Lewandowski, que também foi
contra o aborto, defendeu que a atual legislação é clara e não permite
outras interpretações. Além disso, ele justificou seu voto dizendo que o
assunto ainda representa um impasse também no Congresso Nacional, onde
há projetos de lei sobre o mesmo assunto que estão parados. — Caso
desejasse, o Congresso Nacional, interprete último da vontade do povo,
poderia ter alterado a legislação vigente para incluir o aborto de feto
anencéfalo. [A questão] chegou ao Parlamento [..] se encontram dois
projetos de lei [no Congresso] e revelam a complexidade do tema [...]
ambos acham-se em tramitação, portanto o Congresso Nacional está
tratando do assunto.
Ainda sim, a partir do voto do ministro
Carlos Ayres Britto, o sétimo a falar, já havia maioria e era possível
saber qual seria o resultado do processo no Supremo. Depois dele, o
placar do julgamento ficou em 6 votos a 1 em favor da não criminalização
do aborto de feto anencéfalo.
Como restavam apenas três
ministros para votar, o resultado só mudaria se os ministros que já
haviam se pronunciado mudassem o voto ou se os juízes que aguardavam vez
pedissem revisão do processo. O que não aconteceu. Só Cezar Peluso
acompanhou o colega Ricardo Lewandowski contra o aborto.
O julgamento
O
julgamento começou na última quarta. O primeiro a votar foi o relator
do processo, ministro Marco Aurélio Mello. Ele lembrou que o Brasil é um
Estado laico e que “concepções religiosas não podem guiar as decisões
estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada”.
— O
Estado não é religioso nem ateu. O Estado é simplesmente neutro. O
direito não se submete à religião. [...] Estão em jogo a privacidade, a
autonomia e a dignidade humana dessas mulheres. Hão de ser respeitadas
tanto as que optem por prosseguir a gravidez quanto as que prefiram
interromper a gravidez para pôr fim ou minimizar um estado de
sofrimento. Não se pode exigir da mulher aquilo que o Estado não vai
fornecer por meio de manobras médicas.
Brasil é o quarto país com maior número de casos de anencefalia
Entenda as causas da anencefalia
Mello
lembrou que a gravidez representa um "alto risco" para a mulher e que,
em última instância, a decisão deve ser dela. — Não cabe impor às
mulheres o sentimento de mera incubadora, ou melhor, caixões ambulantes.
Em
seguida foi a vez de Rosa Weber. Ela entendeu que a interrupção ou
antecipação do fim da gravidez não deve ser considerada crime já que a
anencefalia “não é compatível com os ideais de vida”. A ministra também
justificou o voto dizendo que, quando há a gestação de fetos
anencéfalos, deve-se direcionar a decisão em favor da liberdade de
escolha da mulher.
— Voto pela procedência da ação, excluindo por
incompatível a interpretação que entende a interrupção da gravidez como
crime. Não está em jogo [neste julgamento] o direto do feto, mas da
gestante e de que suas próprias escolhas prevaleçam.
Ao fim do
voto da ministra, o também ministro Joaquim Barbosa pediu a palavra e
antecipou seu voto declarando ser favorável à interrupção da gravidez na
situação analisada.
Depois vieram os votos de Luiz Fux e Carmen
Lúcia. Fux defendeu que a questão do aborto, principalmente no caso de
fetos com má-formação do cérebro, é uma questão de saúde pública.
—
As disposições penais devem ser utilizadas como último arrasto. [A
questão do aborto] é matéria de saúde pública que aflige em sua maioria
as mulheres e deve ser tratada como política de assistência social, e
não com uma questão penal.
Na sequência, a ministra Carmem Lúcia,
elogiou a explicação dos colegas. Ela acrescentou apenas que, mesmo no
caso do aborto, as mulheres que passam por uma gestação de feto
anencéfalo também sofrem. — A interrupção não é escolha fácil, é trágica
sempre. Mesmo na interrupção, a escolha é a de menor dor. É exatamente
para preservar a dignidade da vida. Por isso, eu acho que neste caso a
interrupção não é criminalizável.
O placar estava em 5 a 0 quando
o Supremo registrou o primeiro voto contrário ao aborto, feito pelo
ministro Ricardo Lewandowski. Depois dele, o presidente do Supremo
interrompeu o julgamento, retomado nesta quinta.
O ministro Ayres
Britto foi o primeiro a votar depois da retomada do julgamento. Ele
defendeu a descriminalização do aborto em casos de anencefalia e se
justificou dizendo que, se os homens engravidassem, este assunto já
teria sido superado
— Se os homens engravidassem, a interrupção da gravidez de anencéfalo estaria autorizada desde sempre.
Na
sequência foi a vez do ministro Gilmar Mendes. Ele também acompanhou o
relator Marco Aurélio Mello e votou pela liberação do aborto nestes
casos. Para ele, a interrupção da gestação de anencéfalos está
implicitamente permitida desde 1940.
O ministro Celso de Mello
foi o penúltimo a votar e, após longas considerações, elevou o placar
para 8 a 1. Para ele, no caso de anencefalia, não se está autorizando
uma prática abortiva.
— É preciso que isso fique bem claro. O que
vem sendo acentuado nos diversos votos é a noção de antecipação. Se não
há vida a ser protegida, nada justifica a restrição aos direitos da
gestante.
Mesmo sendo voto vencido, o presidente do Supremo,
sempre o último a anunciar o seu entendimento, pediu "paciência" aos
colegas na hora de explicar o porquê da sua escolha em ser contra o
aborto. Ele argumentou que "não se pode impor pena capital ao feto
anencefálico, reduzindo-o à condição de lixo ou de alguma coisa
imprestável".
Com R7