Mesias Ramos
Essa semana a realização duma blitz em Serra Branca dividiu opiniões em todo o Cariri, dado que vários municípios estão, de alguma forma, ligados a essa cidade e, inúmeros cidadãos sentiram-se lesados com tal fato.

A pergunta que paira sobre as entrevistas e opiniões é: quem estava ‘errado’, o Estado ou os condutores de veículos? Do ponto de vista da lei, evidentemente, os condutores dos veículos estavam infringindo uma regra, e por essa razão foram punidos. Contudo, ao lembrar que a lei não é estática e feita pelo Homem, logo um produto social, gostaria de lançar um olhar sobre o caso numa perspectiva político-social.

Sabemos que Serra Branca e todo o Cariri são cidades rurais. Vivemos, portanto, em dois “Brasis”, um de direito e outro de fato; o da metrópole e do campo; do moderno e do tradicional; quando “pessoas simples” reclamam por terem perdido seus veículos, é que esses, vivem no “Brasil de fato”. Ou seja, um Brasil com inúmeros problemas sociais com um conjunto de leis que não se aplicam à todos, tampouco, favorecem a qualidade de vida dos seus convivas. Se pegarmos o caso do juiz carioca que processou a agente policial simplesmente porque o multou e, em seguida afirmou “juiz não é Deus”, entendemos perfeitamente de que “Brasis” estou me referindo (repare que se trata de um caso de trânsito). O império da lei não se faz para todos.

O Estado – aqui entendido no sentido do aparelho burocrático, e não na acepção de esfera republicana – tem o papel de garantir políticas públicas que visem à qualidade de vida de seus integrantes. A classe trabalhadora tem vivido dias difíceis com o aumento da gasolina e da energia - matrizes energéticas que consequentemente afeta diversos setores; a seca que assola a região; e agora os únicos veículos de que dispõem para sua locomoção, são apreendidos. Por conseguinte, é inevitável a crescente repulsa em relação ao Estado e seus governos, pois está se tornando um fardo cada vez mais pesado para o trabalhador, que por sua vez não se reconhece e nem se sente representado.

Garantir políticas públicas de qualidade, essa foi a principal justificativa do ato – a prevenção de acidentes de trânsito e aprimoramento da segurança pública. No entanto, essa política pública se revela às avessas, uma vez que deveria ter tido uma precaução prévia para que pudesse cobrar seus resultados sem lesar os cidadãos. Em outras palavras, deveria haver uma política de inclusão social que pudesse fazer com que todos tivessem acesso à carteira de habilitação e o pagamento de impostos. O leitor argumentará que houve acenos nesse sentido, pois foram oferecidos programas governamentais para a legalização dos veículos e a habilitação social. Não se pode, portanto, esperar de uma política pública efeitos imediatos, por que esta, tem um prazo de efetivação e validade (essa ideia retomo da cientista política Celina Souza que discute o ciclo da política pública).Numa expressão popular, é preciso “plantar para poder colher os frutos”. Nesse caso específico, o Estado está querendo colher os frutos sem sequer plantar uma semente. Quantas pessoas foram beneficiadas pela habilitação social? Há um número expressivo para que alcance toda a população? E mais ainda, como fazer com que as pessoas se locomovam sem haver o mínimo de transporte público? Sequerdispomos de estradas para empresas privadas, ao menos, se estabelecerem aqui.Como cobrar uma cultura de trânsito se não tem oferecido educação de qualidade? Como retirar carteira de habilitação com índices altos de analfabetismo? Não se podem pensar municípios rurais como metrópoles, e nesse sentido deve-se haver políticas públicas diferenciadas, para chegar ao mesmo patamar: a racionalização/burocratização.

Por fim, não pretendo aqui fazer apologias à ilegalidade, mas apenas demostrar que muitas vezes vemos a ponta do iceberg e, entretanto, há algo mais profundo do que isso. É preciso entender a sociedade como um todo. Sendo assim, o Estado não pode cobrar dos outros, se nem mesmo conseguiu fazer o dever de casa.

Por Mesias Ramos
Sociólogo/UFCG

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