Maria de Lourdes Archer voltou ao Brasil com as cinzas do sobrinho dela, Marco Archer, o brasileiro executado na Indonésia por tráfico de drogas. O outro traficante brasileiro condenado a morte é Rodrigo Gularte. Uma prima dele está lá há uma semana e manda notícias.
Angelita Gularte já fez três visitas a Rodrigo na prisão de Cilacap, a 400 quilômetros da capital Jacarta. Ela não quer gravar entrevista. No email, Angelita conta que Rodrigo está enlouquecendo na prisão, onde recebe médicos e religiosos: “Ele me conta estórias sem pé nem cabeça, delírios sobre guerras no planeta, pessoas que invadem a prisão à noite por ondas eletromagnéticas. Fala de um passado que nunca existiu e de um futuro surreal que vai acontecer. Estive com os médicos sexta-feira na prisão, ele aceitou conversar e ficamos juntos uma hora e meia, não entendi o que diziam, falaram na língua da Indonésia. Mas sentia no ar a gentileza no tom das suas palavras! Cooperou respondendo todas as perguntas. O padre Carolus tem sido incansável, sabe de sua doença mental e conhece muito bem o coração bom que ele tem”.
Rodrigo Gularte foi preso em 2004 quando desembarcou na Indonésia com seis quilos de cocaína escondidos em pranchas de surfe. Em 2005 foi condenado à morte.
Em 2007, uma brasileira que morava na Indonésia fez trabalho voluntário de apoio aos presos. Ela conviveu seis meses com Marco Archer, fuzilado na semana passada, e com Rodrigo.
Fabiana Mesquita: O Rodrigo entrou em depressão profunda. Ele teve um desentendimento sério com o Marco, a gente não sabe exatamente o que foi, a gente sabe que eles brigaram e ele tava no limite emocional, e ele tentou suicídio. Ele colocou fogo na própria cela com outros detentos dentro.
Fabiana estranhava as mudanças de comportamento de Rodrigo.
Fabiana: Um dia ele tava superengraçado, fazendo piada, conversando, noutro dia ele não queria falar. Eu ficava às vezes duas horas, três horas, sentada do lado dele sem a gente falar absolutamente nada, porque eu pensando ‘o que eu faço? será que vou, será que fico’ e ficavam os dois ali em silêncio porque tinha momentos que ele não conseguia, de alguma maneira, se comunicar, ter relação com o resto mundo.
Em outro trecho do email enviado ao fantástico, a prima Angelita conta que Rodrigo resiste às tentativas de tratamento.
“Ele não quer ir ao hospital, não aceita tratamento, muito menos tomar remédios. Estar numa prisão de segurança máxima é seguro, ir a um hospital seria perigoso, segundo ele. Diz que ouve vozes que o avisam que logo voltará para casa”.
Fabiana: Eu sempre olhava para o Rodrigo e via um menino. Não conseguia olhar para o Rodrigo e ver um homem. Via um menino. Não sei se foi pela família não dar responsabilidades, por ter mimado, é difícil saber os motivos.
Rodrigo cresceu em uma família rica de Curitiba. Outra prima, a arquiteta Juliana, conta como os parentes tentaram enfrentar os problemas que ele começou a demonstrar ainda na adolescência.
Juliana Gularte: Ele chegou a ser internado, duas ou três vezes ele foi internado. A questão das drogas, são muito fortes. Às vezes a gente consegue vencer essa luta, as vezes não. Passar a mão na cabeça, nunca ninguém passou a mão na cabeça dele.
Angelita escreveu assim: “Entendo que numa altura da vida ele adoeceu. O divórcio dos pais, a doença do irmão, o sonho de fazer parte de uma família considerada "normal", pai, mãe e irmãos, se rompeu. Sei que isso deixa nossa vida meio desnorteada! Acredito que isso adoeceu seu coração e, com o passar do tempo e com uso das drogas, essa doença se somatizou”.
O último pedido de clemência para Rodrigo foi negado na terça-feira (20). A família Gularte afirma que ele tem esquizofrenia. É a última tentativa de evitar a execução, que ainda não foi marcada.
Juliana: A lei da Indonésia prevê isso, que quando a pessoa está numa situação vulnerável, e ele é um vulnerável dentro dessa doença que ele tem, ele não seria executado.
A prima Angelita está na Indonésia exatamente para tentar um laudo oficial de médicos indonésios: “Ele pede perdão. E eu peço perdão por ele! Se ele for executado, não será só ele a morrer. Parte do nosso coração morrerá com ele”.
“Uma pessoa que nas reuniões de família era muito alegre, trazia alegria para a família, e hoje a gente está dentro dessa situação”, conclui Juliana, emocionada.
Confira o email da prima de Rodrigo ao Fantástico na íntegra abaixo:
"O Rodrigo, "Digo", como o chamamos, sempre foi uma pessoa muito querida. Mais que um primo, um irmão de coração, de alma! Entendo que numa altura da vida ele adoeceu... O divórcio dos pais, a doença do irmão, o sonho de fazer parte de uma família considerada "normal", pai, mãe e irmãos, se rompeu... Sei que isso deixa nossa vida meio desnorteada! Acredito que isso adoeceu seu coração e, com o passar do tempo e com uso das drogas, essa doença se somatizou. Hoje essa doença o protege da dura realidade que enfrenta! Usando drogas, se tornou um alvo fácil e foi aliciado para trazer drogas numa viagem que nao teria volta. Ele não sabia, na razão normal de uma pessoa, a gravidade do que estava fazendo!
Estive com o Digo três vezes esta semana. Ele sempre se preocupa comigo e é muito carinhoso, gentil. Os outros presos vêm conversar conosco e dizem para ele me ouvir, que seu nome pode estar na próxima lista de execuções... Ele diz que não, que não é verdade! Que sabe que logo voltará para casa! Ele não quer ir ao hospital, não aceita tratamento, muito menos tomar remédios! "Estar numa prisão de segurança máxima é seguro, ir a um hospital seria perigoso", segundo ele. Diz que ouve vozes que o avisam que logo voltará para casa! Diz que ali muitos estão na mesma situação dele, condenados a morte, e todos estão sabendo que queremos levá-lo para um hospital. Ele não acha certo, ele sair e os outros não. Esse é o Digo, sempre pensando nos outros...
Ele assumiu a culpa sozinho e mandou para casa os outros dois que viajavam com ele! Sim, porque, no âmago de seu coração, ele quer ajudar os outros. E, no envolvimento de sua doença, não tinha noção do mal que faria trazendo aquela droga. O Digo estava doente usando drogas e viajou sem ter noção do risco que corria!
Ele está envelhecido, não tira o boné virado pra trás, diz que está fechando os chacras! Ele ouve vozes, pessoas que conversam com ele! Acho que foi assim que conseguiu sobreviver ali, criando um universo pararelo... Qualquer pessoa presa mais de dez anos, sem ver os amigos e recebendo visitas esporádicas da família, enloqueceria. Sempre que é possível, alguém vem, mesmo assim são poucos dias, poucas horas com ele. Ele me conta histórias sem pé nem cabeça, delírios sobre guerras no planeta, pessoas que invadem a prisão à noite por ondas eletromagnéticas... Fala de um passado que nunca existiu e de um futuro surreal que vai acontecer. Fala muito e quase não me deixa falar. Mas estou aqui para ouvi-lo, dar meu carinho e meu amor, que é incondicional! Vou fazer tudo que puder para que sua vida não acabe dessa maneira desumana!
Estive com os médicos sexta-feira na prisão. Ele aceitou conversar e ficamos juntos uma hora e meia. Não entendi o que diziam, falaram em indonésio! Mas se sentia no ar a gentileza no tom das suas palavras! Cooperou respondendo a todas as perguntas. O padre Carolus tem sido incansável, sabe de sua doença mental e conhece muito bem o coração bom que ele tem! Acompanha o Digo há seis anos, desde que foi transferido de Jacarta para cá. O pessoal da embaixada tem nos dado todo apoio, sempre com a máxima urgência que a situação requer!
Como não gostar do Rodrigo? Ele é amável e gentil sempre, na prisão todos têm um carinho muito especial com ele. Quem não tem na familia uma pessoa doente? E as doenças se manifestam de diversas formas. Não podemos julgar as razões que levam um doente a fazer coisas erradas. Sim, o crime que ele cometeu é muito grave! Mas não queremos ser perdoados de nossos erros? "Perdoai nossos pecados assim como perdoamos quem nos têm ofendido" Ele pede perdão... E eu peço perdão por ele!
Se ele for executado, não será só ele a morrer. Parte do nosso coração morrerá com ele".
Com G1
Publicado em 26 de janeiro de 2015